quinta-feira, 1 de julho de 2010

Recordar é viver - A batalha de Marselha


Marseille, 7 de julho de 1998.

Amigos, uma simples vitória rapidamente arquiva-se nas empoeiradas estantes do esporte. Ao passo que as vitórias épicas não. Estas se imprimem na memória de cada testemunha, e lá permanecem para sempre. Quem viveu, nunca mais esquece.

Eu poderia descrever aqui o lance-a-lance da batalha de Marselha. Poderia exaltar cada uma das santas defesas de Taffarel. Poderia repetir com palavras cada desarme de Aldair (foi um gigante). Poderia destacar os mágicos passes e lançamentos de Rivaldo. Poderia relembrar as arrancadas fenomenais de Ronaldo. Poderia, mas não farei assim. A vitória épica foi obtida na garra, na raça, no coração. E isto vale muito mais que a tática, muito mais que a estratégia, muito mais que o lance-a-lance.

Já os primeiros quarenta e cinco minutos demonstraram que a semifinal teria uma enorme carga de dramaticidade. A cada ataque da Holanda, nossas 160 milhões de almas prendiam a respiração. Éramos 160 milhões a guarnecer aqueles arcos do Vélodrome. Taffarel se portava como legítimo sucessor de Marcos de Mendonça, Barbosa, Castilho, Gilmar, Félix. Suas intervenções salvavam a pátria em chuteiras do colapso. Taffarel já foi decisivo em 1994, e continua decisivo em 1998.

O segundo tempo começou da melhor forma possível. O passe de Rivaldo foi de uma precisão milimétrica. A conclusão de Ronaldo também foi perfeita. De Rivaldo para Ronaldo, de Ronaldo para o gol. Brasil um a zero. Cada brasileiro no céu e na terra vibrou nesse instante, a alma tocada pelo gol de Ronaldo.

Mas a Holanda é um gigante. Desde o famoso Carrossel da década de 70, os laranjas se impõem como uma das principais equipes do planeta. Bergkamp é um ícone. Kluivert seria o principal centroavante do mundo, se não houvesse um Ronaldo. Os irmãos de Boer, Frank e Ronald, também são excelentes jogadores. Isto valoriza demais a vitória brasileira: a qualidade indiscutível de nossos adversários.

Faltavam cinco minutinhos para acabar, quando Ronald de Boer cruzou e Kluivert cabeceou, inapelável, sem chances para Taffarel. Era o empate que rasgava cada coração brasileiro. Viria a prorrogação, com o tal gol de ouro. Amigos, o gol de ouro é um desnecessário requinte de crueldade. A possibilidade de, em um lance, tudo se decidir, é ao mesmo tempo animadora e apavorante. Em frente à TV, eu era a figura do absoluto desespero. Não sabia mais se preferia que a Seleção atacasse, se preferia que a Seleção defendesse. Não sabia se torcia para o tempo passar, se torcia para o tempo parar. Quando Kluivert desferiu aquele chute cruzado, em que a bola raspou no pé da trave, achei que morreria.

O apito final do juiz acabou sendo um alívio para mim. Eu não conseguia explicar, mas estava sim aliviado. Enfrentaríamos uma disputa de pênaltis complicadíssima, contra um goleiro espetacular (Van der Sar é o segundo melhor goleiro do mundo, amigos, pior apenas que Taffarel). Os pênaltis são cruéis, injustos, a pior solução possível. Mas eu só conseguia pensar que acabara o sofrimento da prorrogação.

O técnico Zagallo, o tetracampeão em pessoa, passou a confiança necessária para cada cobrador, e também para o goleiro Taffarel. Zagallo foi importantíssimo: ganhou a disputa ali, naquelas palavras de motivação. Taffarel foi épico: suas duas defesas já estão na antologia do futebol brasileiro. Sobrevivemos à batalha de Marselha. Estamos na final.

PC


Ficha Técnica
07/07/1998 - Brasil 1 x 1 Holanda (4 x 2 nos pênaltis)
Competição: semifinal da Copa do Mundo de 1998.
Local: Vélodrome (Marseille, França).
Árbitro: Ali Bujsaim (Emirados Árabes Unidos).
Auxiliares: Hussain Ghadanfari (Kuwait) e Mohamed Al Musawi (Omã).
Brasil: Taffarel; Zé Carlos, Aldair, Júnior Baiano e Roberto Carlos; César Sampaio, Dunga, Leonardo (Emerson) e Rivaldo; Bebeto (Denilson) e Ronaldo. Técnico: Zagallo.
Holanda: Van der Sar; Reiziger (Winter), Stam, Frank de Boer e Jonk (Seedorf); Zenden (Van Hooijdonk), Davids, Ronald de Boer e Cocu; Bergkamp e Kluivert. Técnico: Guus Hiddink.
Gols: Ronaldo (1'/2T) e Kluivert (42'/2T).
Nos pênaltis: Ronaldo, Rivaldo, Emerson e Dunga converteram para o Brasil; Frank de Boer e Bergkamp converteram para a Holanda; Taffarel defendeu as cobranças de Cocu e Ronald de Boer.
Cartões amarelos: Zé Carlos, César Sampaio, Reiziger, Davids, Van Hooijdonk e Seedorf.

3 comentários:

  1. E ai PC, td blz.
    Esse com certeza foi um dos melhores jogos da história das copas e também o melhor da copa de 98.
    Tenho comigo que quem acredita que o futebol é uma grande negociata tem que parar de acompanhar, afinal se é uma palhaçada mesmo por que me importar????? Não sou ingênuo, tbm sei que o futebol como qualquer outro segmento tem seus corruptos de plantão, mas dai acreditar que tudo é esquema.....
    Mas naquela copa (98) é dificil de entender como um time pode jogar tão bem uma semi-final e jogar tão mal a grande final.... é dificil...

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  2. Cleber, essa semifinal foi um dos meus choros mais doces no futebol. A final de cinco dias depois foi um dos meus choros mais amargos...

    Também não consigo entender, até hoje.

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  3. Esse foi um jogaço, repleto de jogadores vencedores dos dois lados, quem passasse o faria com justiça.

    Acho que o desequilíbrio extremo da final deveu-se ao ocorrido com o Ronaldo. Uma convulsão não é brincadeira, assusta. No dia da final da Copa, e com o astro do time então...

    O grande erro foi escalar o Ronaldo, mas acho que perderíamos de qualquer jeito.

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