sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Noite de chuva no Rio de Janeiro

Vá em paz, Mandela!

Antes de sair de casa, ouvi o alerta de meu irmão: "vai chover muito". Concordei, mas não deixaria de ir por isso. Para ver Raquel, Claudinha e Lucas, grandes amigos de infância, vale correr qualquer risco. Ainda mais depois de tanto tempo.

No táxi, soube da triste notícia: morreu o grande Nelson Mandela, talvez a única unanimidade da Terra, e homem que um dia me fez acreditar que a humanidade tem jeito. O trânsito das sete e pouco da noite na Zona Sul do Rio de Janeiro tem irritado até os sujeitos mais calmos, como eu. Claudinha já esperava no Bar do Adão, e eu na São Clemente, andando a passos de lesma. "Quer saber? Vou continuar a pé mesmo, já estou perto". Recebi o troco dos vinte reais, e segui andando para a Dona Mariana, onde fica o Bar do Adão (com os melhores pastéis do Rio de Janeiro, vale dizer). Mesmo de táxi, um trajeto tão curto, do Leme a Botafogo, demorou 45 minutos. Nem em São Paulo deve ser assim.

Lucas ia se atrasar, Raquel chegou junto comigo. Enquanto botávamos o papo em dia, veio a esperada chuva. Muita água. Um susto com aquela explosão: foi uma lâmpada? A rua Dona Mariana logo virou rio Dona Mariana, afluente do São Clemente. Como não tem um bote, Lucas não iria mais, mesmo que conseguisse fugir do trabalho, uma pena. Me lembrei da épica madrugada de 5 para 6 de abril de 2010, quando, por causa da chuva, passei a noite dentro de um táxi, ilhado nas proximidades da Lagoa. Também me lembrei, claro, do espetacular 5 de dezembro de 2010: vinte e seis anos esperando para comemorar o Campeonato, e nós tricolores tivemos que celebrar na chuva. Exatos três anos depois do Fluminense x Guarani eterno, um novo temporal descia sobre a Cidade Maravilhosa.

A chuva enfim diminuiu, o nível da água na rua baixou, e lá pelas onze e meia pudemos ir embora. Nos despedimos, e Claudinha deixou o guarda-chuva velho comigo, já que iria de carro pra casa, enquanto eu ainda teria que caçar um táxi ou um ônibus. Na hora, brinquei com ela: "você já me deu presentes melhores".

Logo percebi que minha tarefa seria complicada. Nessas horas, os táxis cariocas desaparecem: os que passavam já tinham passageiros. O 592 nem passava. No ponto de ônibus, na Voluntários da Pátria, presenciei uma cena inusitada: o sujeito, com duas pizzas quentinhas na mão, mas sem ter como voltar pra casa, perguntou a um morador de rua: "tá com fome?". Sim, ele deu uma das pizzas ao pobre cidadão, e foi embora com a outra. Um minuto depois, voltou já sem a pizza restante, também entregue a um necessitado. Nelson Mandela morreu, mas a humanidade ainda tem jeito. Após ouvir meus parabéns, o sujeito foi embora, a pé, sabe-se lá para onde.

Os poucos táxis tinham passageiro. O 592, nada. Pensei em ligar pro Lucas, que mora ali perto e talvez já estivesse em casa. Mas já passava de meia-noite, complicado. Então me ocorreu a ideia, inspirada no generoso sujeito das pizzas. Ah, nem é tão longe... Viação Canela, por que não? Ainda chovia, mas eu estava com o guarda-chuva da Claudinha (retiro o que disse sobre presentes melhores).

Comecei a jornada timidamente, descendo a Voluntários, ainda olhando para a rua, na esperança de ver um reluzente 592 com "Leme" no letreiro. Atravesso a rua Nelson Mandela ("líder rebelde e presidente da África do Sul", diz a placa, como se ele tivesse sido só isso). Chego à praia de Botafogo, passo pela calçada do Mourisco, viro à direita e sigo em frente. Fora uma poça ou outra na calçada, o caminho está bom. Passo o primeiro túnel (há uma passagem de pedestre) e, na calçada da Casa Daros, me lembro que ainda não a visitei, e que preciso fazer isso. Ainda parei pra ver alguns itens da mini-exposição na parede externa do museu. No outro lado da rua, a bonita sede do Botafogo. Lembro que o Fluminense foi campeão ali, em 1948, contra o Vasco, no Torneio Municipal. O jovem Carlos Castilho fechou o gol, dizem.

Atravesso a passagem subterrânea, e estou na calçada do Rio Sul. Nos pontos, muita gente aguardando ônibus e táxis que simplesmente não aparecem. Escuto um "era melhor ter ficado no escritório" e um "com certeza" em resposta.

Agora, o túnel do Leme, onde moradores de rua dormem (com cobertores, mas sem pizza). Estou em Copacabana, na Princesa Isabel, e um táxi finalmente se oferece, piscando o farol. Mas agora é tarde. Continuo a pé mesmo, questão de honra, e pouco depois chego em casa. Esperando o elevador, mando mensagem à Claudinha avisando que cheguei bem, e ao olhar o celular constato que a caminhada durou exatos 42 minutos. Incrível: mesmo sob chuva, com poças no caminho, a volta a pé foi mais rápida que a ida de táxi. Agora afirmo com certeza: nem em São Paulo é assim.

Cansativo foi. Mas pelo menos já queimei as calorias do pastel de Sonho de Valsa (ou seria de Serenata de Amor, garçom?). Para ver aqueles três, faria tudo de novo, claro.

PCFilho

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